15 junho 2009

Crónica com fitas queimadas


Terça-feira, 5 de Maio de 2009
Queima das Fitas '09

A Queima das Fitas já tem uma tradição inabalável e consegue mover o Norte do país em peso, seja entre estudantes seja não-estudantes. O queimódromo fica pelas costuras e quase não suporta tamanha adesão. Este é um fenómeno incompreensível. à entrada, amontoam-se pessoas em busca do último bilhete para aquele dia. Ou então, formam-se filas infindáveis mesmo para aqueles que já têm o papel mágico para entrar. A segurança é apertada ou, pelo menos, é-o aparentemente. Isto porque aqui mandam levantar os braços e examinam todos de fio a pavio, mandam abrir as bolsas, perguntam pela droga e proíbem a entrada de qualquer tipo de garrafas ou materiais passíveis de arremesso. Homens para um lado, mulheres para o outro e lá entra tudo às pinguinhas. O cenário é bem diferente uns metros acima, sob a placa “Convites”. Quem tem credencial, passa sem o escrutínio sagrado dos seguranças. Mais uma vez se tornam visíveis as injustiças já que a distribuição das credenciais ou dos ditos convites é por amizades e não significa que quem as tem é mais civilizado. Quem entra pela porta do cavalo, como se costuma dizer em tom de brincadeira, não será mais digno o respeitoso do que quem entra pelos grandes portões da frente!
O recinto
Uma vez lá dentro, acotovelam-se pessoas que circulam aos magotes naquele enorme recinto labiríntico repleto de barraquinhas de curso da Universidade do Porto. Hoje foi dia de cortejo e é o concerto do mítico Quim Barreiros, daí a forte adesão estudantil. Enquanto se circula por entre aqueles corredores planeados pela FAP (Federação Académica do Porto), vão-se ouvindo variadíssimos géneros de música. “Eu gosto de mamar nos peitos da cabritinha”, cantam alegremente umas finalistas de Educação Básica em frente à sua barraca de curso. Mais adiante, ofuscam as luzes mirabolantes da barraca do ISMAI (Instituto Superior da Maia) que vibram ao som de uma música house do momento. Subitamente, pára a música e tudo fica às escuras… Quinze minutos depois, ouve-se dizer que “o gerador queimou”. Os mais impacientes foram sentar-se perto das casas de banho em forma de galheteiros, quase descartáveis, que são ali colocadas nestas alturas. Num grande descampado e sobre o chão escuro de cimento já se vêem várias pessoas sentadas ou deitadas com a cabeça apoiada no colo dos amigos, na esperança de que se faça luz de novo. Ali ao pé, vê-se uma carrinha dos bombeiros que veio apagar as poucas chamas que provocaram o curto-circuito. Há apenas a luz dos grandes lampiões a iluminar o recinto gigantesco quando comparado com o do Enterro da Gata, em Braga. Nestes instantes, é inevitável não reparar na quantidade de ambulâncias que ali acode. De cinco em cinco minutos, certamente, chegam estes veículos para levar os indispostos. O excesso de consumo de bebidas e drogas é o principal causador destas situações. Por entre as pessoas, as ambulâncias circulam devagarinho e com as luzes e a sirene ligadas até chegarem perto de quem lhes acena com a mão a indicar o lugar em que são precisos. Tiram a maca, pegam nas pessoas, deitam-na cuidadosamente e de preferência de lado e voltam a colocar a maca no interior da viatura. Isto vezes sem conta toda a noite. Isto vezes sem conta durante toda aquela semana de festa e de excessos incomparáveis.
Mariana Lameiras

Uma noite no Enterro da Gata

Cor, alegria, música e festa. A promessa de uma semana de Enterro da Gata perfeita.
Por volta das 22h30, as bilheteiras começam a abrir. Do lado de fora do recinto são perceptíveis os primeiros preparativos para os concertos e a música, embora ainda diminuta e distante, que vem das barraquinhas de curso já abertas.
O bilhete está comprado. Mas a entrada no recinto ainda me vai levar alguns minutos: primeiro a fila para entregar o bilhete, segundo a inspecção dos seguranças a cada elemento que atravessa as barreiras da entrada. Depois sim, chego ao recinto.
A hora ajuda a que lá dentro ainda não haja muito barulho, a que pareça tudo muito calmo. O palco está desocupado, a assistência ainda é pouca e não há muitos copos vazios no chão – o recinto é limpo todos os dias antes de as portas abrirem.
Consegue-se circular livremente de um lado para o outro sem grandes confusões ou embaraços. Mas toda esta aparente calmaria acabaria dentro de pouco tempo.
Vinte e quatro horas: o recinto enchia a olhos vistos, deixava de se poder ver a totalidade do espaço como há pouco menos de uma hora.
Agora já se vêem mais copos espalhados, a azáfama dentro das barraquinhas é muita, tal como a impaciência dos que estão encostados ao balcão das mesmas à espera das bebidas.
O barulho é imenso. Conversar aqui é uma tarefa impossível. Os ânimos começam a elevar-se: ouvem-se as habituais músicas de curso, os típicos ‘hinos’ às bebidas (e às bebedeiras), numa mistura de sons imperceptíveis.
Enquanto uns se divertem, há grupos que cá estão para trabalhar. É o caso dos voluntários da “Gata na Saúde” e do projecto (pioneiro este ano no Enterro da Gata) “Mais saúde, menos riscos”. No meio da multidão instalada seguem, em grupos, distribuindo preservativos, tendo como objectivo esclarecerem as dúvidas dos presentes e de lhes transmitir alguns conselhos chave para que o Enterro da Gata corra pelo melhor. A tarefa não é fácil. Pelo percurso encontram pessoas já alcoolizadas e outras que não estão minimamente interessadas com a mensagem que eles pretendem passar. A propósito, assisti a uma situação que considero caricata, mas desta vez foi a diferença linguística que se manifestou como impedimento. Durante a entrega das caixinhas de preservativos, surge um grupo de colegas estrangeiros, (certamente ERASMUS, não estando por isso familiarizados com estas iniciativas) que, espantados, ficaram a olhar para as caixinhas sem saberem o que aquilo era. Numa tentativa demorada, o grupo de intervenção explicou-lhes do que se tratava. A barreira linguística foi, por fim, ultrapassada, mas com grande esforço.
Copo atrás de copo, a hora vai avançando e os excessos da bebida também. Deve andar por volta das 2 horas e tal da manhã.
Os primeiros socorridos começam a ser encaminhados, senão mesmo arrastados por colegas para a tenda da “Gata na Saúde”. Vão desamparados, mas de copo na mão, o amigo fiel das festas académicas! Porém, quando chegarem à tenda, os efeitos do álcool ou drogas serão atenuados. A festa continua, apesar do vai e vem de alcoolizados que entra e sai da tenda. Afinal é tanta gente que quase nem se dá por isso.
Aparte os que estão na “Gata na Saúde” a serem assistidos por enfermeiros e médicos, ninguém parece querer arredar pé daqui. A música continua em todos os bares e em todas as barraquinhas. O frio e a chuva dão o ar da sua graça, mas isso é mal menor. Ao que me parece os copos aquecem o corpo e a chuva refresca a alma.

Filipa Carvalho